Cartilha Mulheres e Conflitos Ambientais final

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Da invisibilidade Ă resistĂŞncia



Da invisibilidade à resistência

Rio de Janeiro, agosto de 2017


Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – Pacs Avenida Henrique Valadares, 23, sala 504 Centro, Rio de Janeiro (RJ) Telefone: +55 21 2210-2124 contato@pacs.org.br www.pacs.org.br www.facebook.com/PACSInstituto twitter.com/InstitutoPACS Coordenadora-Geral / Sandra Quintela Coordenadores-Adjuntos / Gabriel Strautman e Joana Emmerick Texto / Fabrina Furtado Organização / Joana Emmerick e Marina Praça Revisão / Patrícia Bonilha Projeto Gráfico e Ilustrações / Camila Schindler Diagramação / Yuri Leonardo Apoio / Misereor Impressão / WalPrint Tiragem / 1000 exemplares Realização

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SUMÁRIO 6 APRESENTAÇÃO 12 INTRODUÇÃO 18

1. Conflitos Ambientais:

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2. CONFLITOS AMBIENTAIS E MULHERES

Escassez de recursos ou necessidades ilimitadas? Por que destacar essa relação?

42 3. DO RIO DE JANEIRO, MINAS GERAIS E MARANHÃO: impactos e resistências nos territórios 43

A ZONA OESTE DO RIO DE JANEIRO: PRIORIDADE PARA O AVANÇO DO CAPITAL

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ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA SAMARCO: O MAIOR CRIME AMBIENTAL DA HISTÓRIA DO BRASIL

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PIQUIÁ DE BAIXO: COMPLEXO SIDERÚRGICO, CRIMES AMBIENTAIS E RESISTÊNCIAS

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FORTALECENDO O DEBATE E AS LUTAS

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E AGORA? COMO LER NOSSOS TERRITÓRIOS?

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Apresentação

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a América Latina, o Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, será marcado para sempre pelo assassinato de Berta Cáceres, em sua casa, em Honduras, no ano de 2016. Liderança indígena e feminista do Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), Bertita lutava contra megaprojetos corporativos que assolam a região, dando continuidade às expressões de sua colonização. Berta foi e será, sempre, uma referência para todas e todos que lutam por uma América Latina livre e soberana. Luta que revela o árduo caminho a ser percorrido pelos nossos povos, posto que a cada dia se aprofunda um cenário desolador de exploração e apropriação de nossos recursos e bens comuns, assim como de nosso trabalho, corpos e vidas. Por todos os rincóns avança a renovada ofensiva de acumulação de capital e poder, com a imbricação entre poderosos atores corporativos e os Estados e um conservadorismo regressivo. 6


No Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), há alguns anos acompanhamos com preocupação o agravamento dos conflitos ambientais e territoriais relacionados aos impactos de megaprojetos de desenvolvimento, destacando a violência que ameaça as vidas das mulheres e sua atuação política nesses contextos. E observamos a permanência de uma lacuna no debate realizado por movimentos sociais e outros espaços de produção de conhecimento que pautam a justiça ambiental e os direitos humanos, revelando a invisibilidade dos impactos - como da mineração e siderurgia que matou Berta - sobre as vidas das mulheres. Como tratar os impactos diretos e diferenciados desses projetos sobre suas vidas? Quais os lugares que as mulheres assumem nesses conflitos? Quais são esses impactos, quando vistos numa perspectiva feminista?

tação social, que atuam nas disputas territoriais impulsionadas pelas intervenções de poderosos atores econômicos e políticos, mesmo quando não reconhecidas em seu próprio campo de luta.

Aos poucos, compreendemos que para responder a estas questões é necessário irmos além de uma “impactologia” e afirmar e visibilizar as estratégias de resistência engendradas pelas mulheres diante das transformações sociais e territoriais que tais ofensivas trazem para nossas vidas. Isto é, como são vivenciadas as resistências que afirmam o direito de existir, que constroem processos de mobilização e contes-

Neste sentido, será necessário compreendermos esses processos de forma ampliada, considerando as distintas dimensões das vidas atingidas, em suas formas cotidianas de produzir e reproduzir a vida. Tarefa desafiadora, mas necessária. E para a qual é fundamental afirmar os saberes tradicionais, originários e populares em nosso continente, assim como os processos de produção coletiva de conhecimentos. Pen-

Quais os lugares que as mulheres assumem nesses conflitos?

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para refletirmos sobre os conflitos ambientais a partir da crítica aos sistemas de poder do patriarcado e do racismo.

sando nisso, em 2015, construímos uma proposta de mapeamento das ameaças e dos conflitos ambientais que parte dos olhares e das práticas de produção de viver das mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Trata-se de uma contribuição aos distintos processos de luta, mas também uma peça de arguição em outros campos, especialmente aqueles comprometidos com a construção de sociedades mais justas, mas que morosamente avançam com olhares que reflitam os processos de reprodução da vida social em sua totalidade.

Nas margens da cidade, a Zona Oeste tem muitas proximidades com o Rio Gualcarque, onde segue a luta do povo Lenca e do Copinh. Nas margens dos lugares de produção de conhecimento, propusemos a construção coletiva de nossas próprias ferramentas de investigação e ação política. Assumindo que as margens são ou deveriam ser o centro, partimos da centralidade dos trabalhos (re)produtivos e de cuidados, desempenhados majoritariamente por mulheres, para afirmar a resistência a partir de nossas experiências de vida e de nossos corpos.

Esperamos que este material contribua em chamar atenção para as vigentes dinâmicas de conflito e mobilização que marcam o atual protagonismo de sujeitos políticos historicamente subordinados, na América Latina, como grupos indígenas e de mulheres. No atual ciclo de profundas perdas que vivemos, é importante olhar estes processos coletivos de maneira mais abrangente, compreendendo as tendências que tais resistências anunciam, propiciando releituras no sentido de (re) apropriação da história quando vista de baixo para cima. As mulheres e os povos como sujeitos para com quem o Estado tem uma dívida histórica, ambiental, social e política

Esta cartilha, escrita por Fabrina Furtado, com colaboração de Cristiane Faustino, do Instituto Terramar, apresenta uma sistematização necessária para nossa empreitada. Pesquisadora comprometida com a luta por justiça social e ambiental, a autora traz de seu acúmulo analítico e também da prática vivida na construção das Relatorias de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca), realizadas também com Cristiane Faustino, elementos

Lembrar Berta e sua luta é lembrar a mulher que ela era, é e será em

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todas nós. É, acima de tudo, ressaltar que frente aos megaprojetos de morte, que avançam a cada dia sobre os territórios, levantam-se povos e comunidades em luta, espaços em que as mulheres desempenham um papel protagonista na construção da luta contra os avanços do capital, que é simultaneamente racista e patriarcal. Contar sobre nossas histórias de luta de todos os dias, partindo de tantas outras Bertas, que oscilam entre dinâmicas de sobrevivência e subversão, costurando práticas disruptivas pelos territórios. Histórias de produção de viver, de enfrentamento, de construção comunitária, de produção de outras economias que apontam caminhos de superação dessas injustiças. Ainda que possam passar por práticas fragmentadas, elas se desdobram, sempre, como materialização de contextos mais amplos e subjazem e tecem as condições para a existência das lutas sociais. Que este material possa servir de inspiração para a emergência de outras leituras sobre a relação entre mulheres e conflitos ambientais e a conspiração entre suas lutas nas mais diversas localidades. Boa leitura!

• Joana Emmerick Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)

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A lógica do desenvolvimento é o patriarcado racista acontecendo na vida real e cotidiana das comunidades… Cristiane Faustino, Integrante da coordenação colegiada do Instituto Terramar e então Relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca, Açailândia (MA) 2013

[…] A cada dia as mulheres tomam consciência da sua participação na luta, nos movimentos sociais. O homem tem o seu olhar, mas a mulher vê de outra forma os impactos, as mazelas que são deixadas [...] Joselma de Oliveira, Membro da Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá, Açailândia (MA), 2015

A mineração é machista, não tem trazido nenhum futuro para as mulheres. Representante do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, Açailândia (MA), 2013

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introdução

A

apropriação de espaços sociais para a acumulação de capitais não é um fato novo. A pilhagem das riquezas territoriais e a exploração e expropriação de populações, em especial a negra, indígena e camponesa, têm suas origens na escravidão e na colonização, aprofundando-se e sofisticando-se com o imperialismo e as diversas ditaduras. Ou seja, a “questão ambiental” já era um tema antes mesmo dela “nascer”. São formas de acumulação e dominação que se alimentam das desigualdades, ao mesmo tempo que as aprofundam, em especial daquelas relacionadas ao patriarcalismo e ao racismo. Portanto, não é por outro motivo que a relação entre as mulheres e a “questão ambiental” também não seja um acontecimento recente. Reconhecendo este processo histórico de construção das desigualdades estruturais, trataremos aqui do aprofundamento de conflitos ambientais em decorrência do desenvolvimento capitalista baseado na indústria extrativa. Por conflitos ambientais 12


Nos anos 2000 a América Latina consolidou-se como uma fronteira importante para a intensificação do extrativismo e a incorporação de territórios para estas atividades. Para tanto, os diferentes Estados empenharam-se em gerar condições favoráveis para a atração de investimentos internacionais, recorrendo à desregulação social e ambiental e à garantia de uma forte presença do setor empresarial na esfera política.

queremos chamar atenção para os conflitos em torno do acesso, do uso, da apropriação e da significação do mundo material e simbólico; e quando falamos na indústria extrativa estamos nos referindo às atividades de produção e à expansão territorial das frentes de mineração, do agronegócio, do monocultivo de árvores, de petróleo e gás e do complexo energético relacionado a elas. Interessa-nos, em particular, a relação deste modelo com o saber e as resistências das mulheres, além dos impactos sobre elas.

No Brasil, a fragmentação e a flexibilização da legislação ambiental ou o descaso em sua aplicação, o desmonte dos órgãos ambientais e a criminalização das lutas sociais são alguns dos procedimentos já implementados, e que vêm sendo agravados. As mudanças no marco regulatório da mineração e as ofensivas do Legislativo federal para garantir a liberação desta atividade em terras indígenas são avanços relevantes para intensificar e acelerar o extrativismo mineral no país.

Desde os anos 1990 a indústria extrativa, alavancada pela ação dos Estados como, por exemplo, através do seu financiamento, da flexibilização da legislação e de suporte ideológico, vem assumindo um papel central na economia política do Brasil e da América Latina. Apesar de grande parte dos atuais megaprojetos de desenvolvimento terem sido concebidos no período da ditadura militar, a dependência na indústria extrativa, inclusive legitimada a partir do discurso sobre a necessidade de financiar as políticas sociais, assumiu uma forma extensiva neste período de liberalização econômica, em especial a partir do domínio da retórica neoliberal sobre as virtudes do livre mercado e da inserção internacional do capitalismo brasileiro.

Em nome do progresso, do desenvolvimento e do crescimento econômico, este processo vem sendo implementado a partir de concepções elitistas, patriarcalistas e racistas, definidas por homens brancos e ocidentais e, portanto, reproduz uma colonialidade do saber, que aprofunda as desigualdades históricas.

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Essa relação incestuosa entre Estado e corporações, que hoje se escancara de forma mais violenta, oculta as transformações territoriais resultantes do modelo de desenvolvimento e sistema capitalista baseados na indústria extrativa, que expulsa populações inteiras dos seus locais de produção e reprodução ou torna seus modos de vidas inviáveis.

No entanto, a recente transformação da conjuntura econômica internacional, com o fim do ciclo virtuoso das commodities1, afetou negativamente a capacidade do governo brasileiro de conciliar, como fizera entre 2003 e 2010, a promoção de políticas sociais com os interesses do capital financeiro e da indústria extrativista. Instaurou-se, assim, uma crise na forma de governar que se baseou na ideia de que é possível “administrar” o capitalismo mantendo “pactos” entre empresários e sindicatos. O golpe parlamentar de 2016 aprofunda e explicita ainda mais o “cercamento da democracia” por parte das corporações.

No entanto, os impactos sociais e ambientais da atuação dessas corporações, na sua relação com o Estado, não são democráticos; são diferenciados e desigualmente distribuídos. Além disso, as atividades predatórias, com poucos empregos de qualidade, como a mineração, são tratadas como de suposto interesse público, independente dos custos sociais e ambientais e os impactos ambientais e os riscos decorrentes para as populações são naturalizados, subestimados ou negligenciados.

Cercamento este que se dá através da captura de distintas dimensões de expressão e exercício do poder político, judiciário, da comunicação e informação, do saber e da apropriação privada da economia. A pesada agenda de desregulamentação dos chamados “ajustes econômicos e políticos” configura tentativas de impor contrarreformas que visam dar consistência institucional à força das corporações na condução dos assuntos públicos.

Com o golpe, que levou Temer a ser empossado como presidente do Brasil em 31 de agosto de 2016, estes conflitos foram intensificados. No âmbito da apropriação dos territórios

1 • Por definição, commodity é todo recurso que se encontra em estado bruto ou tem baixo valor agregado, ou seja, a matéria-prima extraída, manufaturada e inserida no processo de exportação. As commodities podem ser agrícolas (como café, soja, milho, algodão e cana), minerais e financeiras. Existem ainda as chamadas commodities ambientais, como energia, madeira e água.

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ções contra o golpe, os retrocessos implementados e as retiradas de direitos; as invasões aos escritórios de organizações sociais e a espionagem de lideranças recrudesceram; assim como a violência no campo, nas favelas, contra a juventude e as mulheres negras foi ampliada.

e do ambiente vêm sendo adotadas, de maneira crescente, medidas de exceção e de ruptura com os direitos conquistados pelas lutas sociais e assegurados pela Constituição Federal de 1988. Neste contexto, o fundamentalismo racista e patriarcal e o discurso de ódio contra povos indígenas, comunidades tradicionais, populações negras, LGBT’s e mulheres, já existentes, ganham maior visibilidade pública.

Como mencionado anteriormente, não se trata de um processo novo, mas que em um contexto de golpe é “atualizado”, aprofundado e ampliado, ganhando um caráter mais explícito. Trata-se de um contexto que coloca em questionamento o próprio sentido da democracia e demanda uma maior articulação para resistir e enfrentar os retrocessos e, além disso, fortalecer os caminhos e as estratégias que demonstram que o capitalismo, o racismo e o machismo não são inevitáveis. Ao mesmo tempo, esta resistência precisa abarcar não só a geração dos conflitos, mas também as estratégias de apropriação da problemática ambiental e de gênero por parte das corporações e dos governos como instrumento de apaziguamento desses mesmos conflitos para garantirem o controle dos territórios e se legitimarem perante a crítica social. É frequente, por exemplo, a alegação de que a relação das mulheres com a questão ambiental deve-se a uma suposta maior sensibilidade das mulheres, que as tornariam mais cuidadosas e mais preocupadas com o ambiente que os homens.

Os efeitos são rapidamente sentidos nos territórios: em dois meses, entre março e maio de 2017, sete militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram brutalmente assassinados no estado do Pará; no início de maio, indígenas Gamela foram torturados e baleados por fazendeiros e seus capangas, sendo que alguns tiveram suas mãos decepadas; no final de abril, um jovem estudante teve parte do crânio e da face esmagados por golpes de cassetete de um oficial da polícia militar em Goiânia, durante uma manifestação contra o desmonte da previdência social e dos direitos trabalhistas; em abril de 2016, a mulher negra e lésbica, Luana Barbosa dos Reis Santos morreu em Ribeirão Preto após ser espancada por três policiais na rua onde morava, para citar apenas algumas ocorrências. A repressão policial tornou-se ainda mais violenta durante as manifesta-

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Descolada de uma análise mais profunda sobre as relações de poder e as complexidades que permeiam as relações de gênero, esta abordagem corre o risco de ter um viés essencialista, reproduzindo as desigualdades históricas e alinhando-se com a visão patriarcal de sociedade que relega às mulheres o lugar e toda a responsabilidade pelo cuidado. Queremos discutir este cuidado, mas também o papel das mulheres, em especial as negras, pescadoras, agricultoras e indígenas, através das suas lideranças, resistências e de seus enfrentamentos, não só nas intervenções sobre os conflitos ambientais, mas também para as mudanças estruturais nas nossas formas de viver e reproduzir e no enfrentamento às estruturas de dominação e poder. Além de desafiarem o machismo e o racismo em casa, no trabalho, no campo, na floresta e na cidade, enfim, em todas as suas relações sociais, as mulheres resistem e enfrentam o agronegócio, as empresas de mineração, petróleo, siderurgia, hidrelétricas, a especulação imobiliária e outros projetos e agentes dominantes relacionados. Mulheres prejudicadas por conflitos ambientais lutam pela garantia da sua sobrevivência e da sua família, de seus povos e suas comunidades, contra a expropriação dos territórios tradicionais e pela manutenção e

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elas, pois são marcados por relações sociais desiguais que preestabelecem responsabilidades específicas em função do gênero, da classe e da raça, como fica explícito nos exemplos, ao longo do texto.

reprodução dos seus modos de vida. Lutam contra o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Na desafiadora conjuntura, esta luta torna-se ainda mais necessária.

Para tanto, primeiro, vamos refletir sobre o conceito de conflito ambiental, seus significados e suas implicações; na segunda parte o foco será a relação entre as mulheres e os conflitos ambientais, em termos da definição do problema, dos impactos e das resistências; a terceira parte analisará mais a fundo estas questões a partir de casos concretos de conflitos ambientais e resistências, em especial: das mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro e, mais especificamente, do bairro de Santa Cruz na sua luta contra o complexo siderúrgico TKCSA; das mulheres de Minas Gerais, no seu enfrentamento ao maior crime ambiental ocorrido no Brasil, causado pela mineradora Samarco; e das mulheres do distrito industrial de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia (MA), no seu enfrentamento contra um complexo siderúrgico que envolve diversas empresas. Para concluir, são apresentadas considerações a serem trabalhadas no aprofundamento deste debate, das possíveis pesquisas e dos processos de formação liderados pelas mulheres sobre os conflitos nos territórios.

Fundamentado em uma perspectiva crítica sobre a atual realidade vivida pelas mulheres em diferentes regiões do Brasil, o objetivo deste trabalho é refletir sobre os conflitos ambientais gerados e aprofundados pela indústria extrativa e pelos projetos de infraestrutura relacionados, ou seja, de desenvolvimento, e as suas implicações sociais e territoriais. Busca-se fazer isso a partir, em especial, de olhares, saberes e lugares frequentemente negados ou apropriados e transformados. Sejam eles sobre como as mulheres são atingidas pelos conflitos ambientais, como se autopercebem no contexto desses conflitos e como suas questões são tratadas (ou não) no âmbito das lutas sociais e das instituições públicas e privadas envolvidas. Para tanto, partimos dos seguintes argumentos: as experiências das mulheres influenciam as suas percepções e valores em torno das questões ambientais e, portanto, dos conflitos; e, os impactos desses conflitos são sentidos e vivenciados de formas distintas por homens e mulheres e entre

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1. conflitos ambientais:

escassez de recursos ou necessidades ilimitadas?

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xistem várias formas de analisar a questão ambiental e a geração de conflitos. Uma, a perspectiva dominante, baseada na ideia de quantidades e na preocupação do impacto da degradação ambiental sobre o crescimento econômico, argumenta que os recursos do planeta são finitos e que, portanto, devemos economizá-los. Assim, as políticas tendem a ser voltadas para “adiar” o momento do esgotamento dos recursos. No entanto, podemos colocar a questão de outra forma: se de fato os “recursos” são finitos, para que, então, vamos utilizá-los? Vamos utilizá-los para produzir alimentos, viabilizar a agricultura familiar camponesa e garantir a sobrevivência e reprodução de comunidades urbanas e rurais ou para a extração de minérios e de madeira, a produção de aço e a plantação de soja, atividades voltadas para a exportação e o equilíbrio das contas externas? (ACSELRAD, 2004).

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significado e valor às determinadas “localidades” (KILL, 2014).

O discurso da escassez de recursos esconde questionamentos sobre as razões da apropriação da natureza e sobre as relações sociais de exploração que fundam este processo. Não podemos reduzir a questão ambiental à quantidade de matéria e energia que é produzida, à determinação da floresta como estoque de carbono ou de um território como fornecedor de “serviços ambientais”; o “ambiente” é também construído, definido e reproduzido a partir de questões culturais e históricas. Quando falamos em ambiente ou natureza, não é de uma entidade separada das relações sociais, algo homogêneo, uno, acessado, ocupado, utilizado e percebido da mesma forma por todo mundo. Estamos tratando de práticas sociais sobre o espaço onde se dão as interações entre as pessoas e processos biofísicos.

Dercy Telles, ex-presidenta do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e agricultora da Reserva Extrativista Chico Mendes no Acre, criticando os impactos das monoculturas de árvores plantadas, explica: “Não existe um ser humano capaz de reproduzir uma floresta, porque a floresta é um conjunto de espécies que jamais alguém reproduzirá até porque existem nelas espécies que a gente não consegue enxergar ao olho nu de tão pequenas que são […] […] ser da floresta significa bem-estar porque você tem uma vida extremamente sossegada em comunhão, harmonia com a natureza. É muito bom viver na floresta.” (entrevista em 21 de set. 2013).

Não por acaso, na maioria das línguas indígenas não existe a palavra “natureza”. Os conceitos utilizados referem-se às localidades ou nomes específicos. Em alguns casos, existem diferentes nomes para a mesma localidade, dependendo dos aspectos específicos do local. Assim, muitas vezes o uso que se faz do conceito “natureza” tende a ocultar aspectos que o nome de localidades explicitam, as interações entre as pessoas e o meio, seus usos e as memórias construídas; memórias que dão

Talvez a ciência dominante refute esta afirmativa com base nas possibilidades tecnológicas de modificar o ambiente. Contudo, se tal ciência, patrocinada por grandes corporações, é capaz de produzir os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), não tem se mostrado capaz de produzir tecnologias capazes de dar conta da complexidade socioambiental nos territórios. Antes, a dedicação da ciência tem se voltado para uma sobre-exploração do

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meio ambiente, em que a enorme quantidade de monocultivos tem como contrapartida a agudização da degradação social e ambiental, numa lógica de findo e não de continuidade, de forma completamente oposta às afirmativas de Dercy.

É JUSTAMENTE DEVIDO AO CONFLITO QUE AS MULHERES VÊM AFIRMANDO QUE O CAPITALISMO, O MACHISMO E O RACISMO

Outra abordagem sobre a problemática ambiental afirma que o problema central não é o fato dos “recursos” serem finitos, mas a apropriação indevida da natureza, que resulta em impactos negativos para os grupos sociais e étnicos mais despossuídos: as mulheres e as populações negras, tradicionais e indígenas. Ou seja, o problema não é que os recursos naturais estão acabando, mas que a Vale, a Samarco, a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) e tantas outras corporações estão utilizando-os de forma desigual, para usos privados, enquanto comunidades perdem seus territórios e, assim, o acesso ao mundo material e simbólico necessário para a sua produção e reprodução. Não são os recursos que são escassos, as necessidades das corporações e do Estado que as apoia é que são ilimitadas.

NÃO SÃO INEVITÁVEIS. E QUE, PORTANTO,

DEVEM E PODEM SER SUPERADOS.

Desse modo, pode-se afirmar que as divergências de concepções e práticas de uso e ocupação dos territórios e de acesso à biodiversidade expressam significativamente as necessidades dos sujeitos, concre-

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rejeitar divisões ideológicas, de classe, raça, gênero e geração. O conflito precisa ser eliminado para garantir a coesão social, a paz e a harmonia, para proteger a competição entre empresas e, portanto, a acumulação de riquezas privadas. Assim, não é difícil compreender por que tantos processos de resolução de conflitos são implementados e promovidos, em especial pelo Banco Mundial. Isso vem ocorrendo, por exemplo, no caso do crime ambiental de responsabilidade da mineradora Samarco, em Minas Gerais, a ser discutido mais adiante.

tizando um contexto de disputa desigual e injusta. Em sociedades machistas e racistas, a diversidade cultural e de modos de vida é desvalorizada em favor do elemento “masculino branco”, representado pelas grandes corporações, o Estado e os governos, nos quais a representatividade dessa diversidade é gravemente desequilibrada. Os conflitos ambientais surgem, portanto, das divergências entre essas concepções e práticas sociais, entre distintos projetos, sentidos e fins. As extremas desigualdades que atravessam esses conflitos se explicitam, por exemplo, nos retrocessos na legislação ambiental, na flexibilização, fragmentação e nas tentativas de acabar com o licenciamento ambiental; e nos direitos das mulheres, dos campesinos e de povos indígenas e quilombolas. A questão ambiental é, assim, conflitiva e os conflitos ambientais estão relacionados ao acesso, uso e à apropriação material e simbólica do ambiente. Ou seja, trata-se de disputas por diferentes modos de vida e relações de poder.

Mas como conciliar o conflito e garantir a paz entre a TKCSA, a Vale, a Samarco e as mulheres que, por causa destas empresas, perderam maridos e filhos, seus meios de sustentação, bens materiais, estão com problemas de saúde e sobrecarregadas física e emocionalmente? A gestão e as práticas de “resolução” dos conflitos tentam eliminar as diferenças das condições de classe, gênero, geração, raça e etnia, e forjar uma sociedade que esteja de acordo com os sonhos, desejos e as necessidades da elite econômica, cultural e política. Por outro lado, é também por causa do conflito que os coletivos se constituem e fortalecem as suas identidades e os seus projetos políticos.

É por este motivo que, paralelamente à crescente e explícita violência, predominam na sociedade ideias projetadas de consenso, procedimentos da chamada governança, de gestão, que buscam eliminar o político, universalizar as demandas políticas e

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2. conflitos ambientais E MULHERES POR QUE DESTACAR ESSA RELAÇÃO?

P

atriarcado - um sistema de dominação dos homens sobre as mulheres tanto em termos universais, ocorrendo em todos os lugares e períodos históricos, como específicos, tendo particularidades ao longo do espaço e tempo. Como particularidades, podemos citar as mulheres negras e indígenas, contra as quais a discriminação aparece de forma mais intensa: são as que recebem os menores salários e sofrem mais violência, por exemplo. A apropriação da força produtiva e reprodutiva das mulheres pelos homens ocorre de diversas formas, sendo algumas mais violentas que outras. Em decorrência do patriarcado, a organização social sistematicamente beneficia os homens, em detrimento das mulheres. Também podemos citar o heteropatriarcado, no qual a heterossexualidade tem supremacia sobre outros gêneros e outras orientações sexuais. Ou seja, vivemos em uma sociedade em que os homens brancos e heterossexuais são percebidos e tratados, nas relações sociais e como sujeitos de políticas, como superiores. 22


são socialmente construídas e se diferenciam dependendo de outras condições, como classe, raça, etnia e geração, e também do seu papel em processos coletivos de luta na história. Estas relações e atuações são influenciadas por determinados papéis preestabelecidos para as mulheres em função das relações de poder baseadas no patriarcado, que tem no ser masculino, nas suas necessidades e em seus interesses, o centro do poder e do comando do mundo2. As mulheres são, portanto, “seres culturais” que estão também inseridas nas diferentes formas de uso e ocupação dos territórios.

Ressaltar a relação entre as mulheres e o ambiente não é algo novo. Ao longo da história ocidental o feminino tem sido considerado próximo à natureza, desde uma perspectiva essencialista, que situa homens e mulheres em papéis hierarquizados: mulher-natureza, homem-cultura. Desse modo, dá ao ser masculino o poder de controle e domínio sobre a mulher e a natureza; a primeira como sujeito incompleto de ordem inferior, e a segunda como ente não histórico. Como a existência da mulher é reduzida às suas funções biológicas, ou seja, seu corpo e os processos de gestação e lactação, e à sua função social como sendo no contexto doméstico, aos olhos da cultura, ela aparece como sendo mais próxima à natureza (DI CIOMMO, 2003).

Em decorrência destas mesmas relações, no entanto, o efetivo papel das mulheres na determinação dos problemas relacionados aos conflitos e na forma de enfrentá-los não é considerado ou visibilizado, inclusive nos próprios processos de resistência. No entanto, é determinante para a realização e continuidade das lutas e o estabelecimento de transformações positivas para mulheres nas suas comunidades e culturas.

No entanto, esta forma de representar a relação entre a mulher e o ambiente oculta complexas questões de gênero. A interação das mulheres com a natureza, com seus meios e territórios e, portanto, a atuação das mesmas nos conflitos ambientais não é determinada somente a partir de suas funções biológicas;

2 • Uma importante linha de pensamento sobre a relação entre a dominação das mulheres e a dominação da natureza é o ecofeminismo. Ver, por exemplo: ECOLOGISTAS EN ACCIÓN. Tejer la vida en verde y violeta: vínculos entre ecologismos y feminismos. Caderno 13. Quito, Ecuador, 2008.

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As formas como as mulheres, na sua ampla diversidade e desigualdade, percebem e atuam em relação aos conflitos ambientais e à exploração indevida do ambiente e dos seus territórios por parte de corporações e do Estado, que se diferenciam da visão dos homens, são resultados de múltiplos processos como:

• A divisão sexual e racial do trabalho no capitalismo; • As representações sobre a sexualidade das mulheres, fortemente demarcada por uma cultura misógina e heteronormativa; • A naturalização da violência sexista como instrumento de dominação; • No não reconhecimento das mulheres como seres políticos ou sujeitos de direitos, inclusive sobre os seus próprios corpos.

Antes das soluções, os problemas: Quem e como são definidos?

• “Precisamos descolonizar o nosso imaginário sobre esses povos. Não temos que falar pelas mulheres indígenas, mas aprender com elas.” Arneide Bandeira Cemin, antropóloga, Universidade Federal de Rondônia, 2016 centemente eliminando as relações com a terra e os territórios voltados para a subsistência e a produção e

A ciência dominante, fundamentada nos conceitos de desenvolvimento, progresso e crescimento, vem cres-

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reprodução de identidades coletivas, e priorizando a produção de bens e serviços voltados para a acumulação de capital e o aumento das necessidades (SHIVA, 1995).

Neste processo, outras formas de produzir conhecimento sobre a problemática ambiental são negadas pela geopolítica do conhecimento, inclusive para garantir a sua reprodução e legitimação. E este conhecimento dominante que reproduz relações de poder/ conhecimento situa as mulheres, os povos indígenas, quilombolas e tradicionais, novamente em relações desiguais.

Cria-se, assim, uma nova “natureza” que transforma subjetividades, identidades e práticas sociais, reorientadas em direção à reprodução e legitimação do desenvolvimento capitalista, branco, masculino e heteronormativo. Essa “nova” natureza é definida como indômita, que não se deixa vencer, ou necessitada de proteção; uma natureza (como são vistas as mulheres) que precisa ser conquistada ou protegida.

mudança climática é grave e precisa ser tratada com urgência, mas usa esta constatação para ocultar outros problemas, como a própria estrutura do desenvolvimento capitalista; a criminalização das lideranças por parte da indústria extrativa; problemas de saúde gerados pela siderurgia; o uso de agrotóxicos; e as violações de direitos decorrentes da construção de usinas hidrelétricas e eólicas, para citar apenas alguns casos. Para as mulheres do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, impactadas pela TKCSA, por exemplo, o maior problema hoje é o que chamam de “chuva de prata”, que é a emissão de partículas de resíduos de ferro e grafite pela

Como outros conhecimentos e outras categorias de gênero, raça e natureza são negados, as relações que os coletivos estabelecem com o mundo material são desconsideradas, e noções ocidentais baseadas em dualidades e hierarquias, onde um é superior ao outro, como sociedade-natureza, homem-mulher, branco-negro, branco-índio, saberes científicos-saberes tradicionais e populares, são reproduzidas (ULLOA, 2004, 2014). É este conhecimento dominante que define o problema ambiental. Assim, atualmente, a maioria dos governos e das empresas do mundo reconhecem, por exemplo, que a

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decisões políticas globais sobre esta problemática, afirma que “as mulheres são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas globais”.

siderurgia que caem em suas casas, e não apenas a mudança climática. O mesmo pode ser dito sobre as mulheres do campo que não veem o ambiente como um produto ou serviço, mas um território com o qual se relacionam de forma integral, interdependente e justa para garantir a sobrevivência e reprodução. Mas isso lhes é negado, pois não são estas mulheres que definem o problema. Além disso, os problemas ambientais são definidos como sendo de “todos”, o que elimina a existência de diferenças na forma pela qual as pessoas e os coletivos são constituídos, pensam e agem, em geral, e, mais especificamente, sobre o meio ambiente.

Trata-se de uma importante observação a ser considerada, ainda mais quando a pesquisadora ressalta também que “as mulheres e meninas representam atualmente 72% do total de pessoas que vivem em condições de extrema pobreza no mundo” e que “elas representam hoje as maiores vítimas de desastres provocados por eventos climáticos extremos, como inundações e furacões”. No entanto, apesar da pesquisadora alertar sobre a necessidade de garantir mais participação das mulheres nos processos decisórios, entre as ações mais urgentes para preparar as mulheres para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos estão: treiná-las para que a capacidade de querer ser a mãe de todos seja mais eficiente e que “não seja realizado ao custo de sua própria vida, mas que possa beneficiar todo um conjunto de pessoas” e “treinar mulheres para aprenderem a nadar, a correr, a trepar em uma árvore, e permitir que possam usar uma roupa mais adequada para realizar essas atividades” (ELTON, 2012, p.1).

O “todo” coloca as mulheres em posição de vítimas universais, silenciando as divergências ideológicas, sociais e de interesses delas (ULLOA, 2014). Embora haja, em alguns casos, o reconhecimento dos impactos diferenciados em termos geográficos e sociais, estas divergências são evocadas para reforçar a noção da ameaça global enfrentada por “todos”. A pesquisadora mexicana Úrsula Oswald Spring, do Painel Inter-governamental sobre Mudanças Climáticas, mais conhecido como IPCC (sigla em inglês para Intergovernmental Panel on Climate Change), organização que subsidia as

São propostas que despolitizam o debate sobre a mudança climática

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pois ocultam as desigualdades em relação às suas causas e consequências; aumentam a responsabilidade das mulheres, que devem ser ainda mais eficientes e atuar como mães de todos, reforçando a lógica da maternidade compulsória, um reducionismo das mulheres ao papel de mãe; e, limitam o tratamento da questão à adaptação das mulheres aos seus impactos.

nuindo a discrepância histórica e cultural sem criar ambiente discriminatório” (p.7). De que mulheres a Vale está falando? Qual a qualidade do trabalho destas mulheres? Como as desigualdades e a discriminação histórica são tratadas pela mineradora? Além de não tratar destas questões, a empresa oculta as violências enfrentadas pelas mulheres nos territórios onde atua.

Ou seja, o que poderia ser um debate qualificado sobre os principais conflitos ambientais enfrentados por diferentes mulheres - brancas, negras, indígenas, transexuais e lésbicas - atualmente, de como superar as causas estruturantes e desiguais destes problemas e da mudança climática, tornam-se estratégias para aguardar o inevitável, e depois correr…

Assim, “reconhece-se” a “importância” do papel da mulher e os impactos diferenciados mas, além disso ser feito para reforçar os lugares que as mulheres são tradicionalmente forçadas a ocupar, elimina-se do debate as diferenças e desigualdades raciais e de classe social e a “eficiência”, o “talento” e a “capacidade” das mulheres são apropriadas pela Vale.

As empresas também se apropriam da problemática de gênero, incorporando as mulheres em seus programas de responsabilidade social e ambiental, para ganhar legitimidade, sem mudar suas práticas estruturais. A Vale, com apenas 12,3% de trabalhadoras, sendo só 3,8% destas gerentes e coordenadoras, por exemplo, cita as mulheres no seu Relatório de Sustentabilidade de 2015 diversas vezes, afirmando que “reconhece e promove o talento e a capacidade das mulheres, dimi-

• Desse modo, a capacidade das mulheres de, a partir dos seus conhecimentos adquiridos ao longo de milhares de anos, enfrentar situações difíceis e adaptar as suas práticas de vivência e sobrevivência é manipulada e apropriada.

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res) no mercado do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)4.

As mulheres são reconhecidas pela sua contribuição à biodiversidade, mas a produção de conhecimento branco e masculino nega, nas elaborações conceituais e nas políticas públicas que dele surgem, as experiências de vida das mulheres (assim como dos povos indígenas, tradicionais e negros) e suas representações sobre o ambiente, ao mesmo tempo em que os incorpora aos novos mercados ambientais. As mulheres são crescentemente incorporadas como potencializadoras da economia verde3 e de políticas de clima, por exemplo.

Outro exemplo é o lançamento do indicador de Carbono das Mulheres (W+), que servirá para medir os benefícios dos projetos sobre as mulheres (MORENO, 2013). Segue-se, na política global de mudança climática, a lógica de que “igualdade de gênero é economicamente inteligente” e que “as mulheres são o próximo grande mercado emergente”, como afirmou o presidente do Grupo Banco Mundial, Robert Zoellick durante reunião anual deste banco e do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington (EUA), em setembro de 2011, em entrevista coletiva sobre o relatório da instituição “Igualdade de Gênero e Desenvolvimento” (D´ALMEIDA, 2011, p.1).

Neste sentido, encontramos projetos de carbono específicos para mulheres nos quais as corporações, buscando compensar e legitimar as suas práticas, compram o carbono sequestrado ou evitado em projetos executados exclusivamente por mulheres, consideradas como mais responsáveis. O mesmo pode ser dito da inclusão da agroecologia ou agricultura camponesa (que contam com ampla participação das mulhe-

3 • Para mais informações ver: PACS. Ambientalismo de espetáculo: economia verde e o mercado de carbono no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PACS, 2012. 4 • Para mais informações sobre o conceito de PSA ver: WORLD RAINFOREST MOVEMENT. Serviços Ambientais. Boletim 175 – fev. 2012. Disponível em: <http:// wrm.org.uy/pt/files/2012/02/Boletim175.>Acesso em jan. 2015.

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• Portanto, a incorporação - e não apropriação e transformação - do saber das mulheres, em especial das negras e indígenas, na construção do conhecimento na sociedade não é apenas uma questão de legitimidade, mas da necessidade de instaurar processos que sejam capazes de romper com as estruturas históricas de dominação.

É preciso falar dos impactos: feminicídio, injustiça e racismo ambiental

“A gente não vive, não sabe o que vai acontecer. Eu não tenho plano de ir embora daqui, porque é a minha raiz, vivi aqui minha vida inteira. Mesmo com medo, vou continuar. É o que posso fazer.

As mulheres se tornaram lideranças que acabaram tomando a frente da luta, muitas vezes são responsáveis pelo sustento da família [...] Da ameaça à concretização é pouca coisa.

Nádia Pinho da Silva, liderança rural em Santana do Araguaia (PA), 2013

Vânia Maria Santos, advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

A violência inerente aos conflitos ambientais decorrentes do modelo de desenvolvimento e sistema capitalista é também associada à violência contra a mulher, em especial contra aquelas que dependem do ambiente para garantir seu sustento, o das suas famílias e de sociedades.

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Apesar de homens também morrerem e sofrerem violência em decorrência dos conflitos ambientais, o relatório sobre a violência no campo produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) já destacava em 2013 uma tendência de aumento da violência contra as mulheres (e indígenas), em especial por causa de conflitos relacionados à construção de hidrelétricas. Além disso, as mulheres são as maiores vítimas de violência e exploração sexual em decorrência da instalação de projetos de desenvolvimento, como veremos mais adiante. Portanto, não só são mulheres, como são mulheres protagonizando as lutas pela terra, pelo território e por seus modos de vida.

São vários os exemplos em que, em decorrência das suas lutas e de não serem vítimas passivas como frequentemente são percebidas, mulheres são assassinadas, perseguidas e criminalizadas e/ou vivem em situações de ameaça, perigo e violações de direitos. No próximo capítulo vamos analisar com mais detalhes os impactos dos conflitos ambientais sobre as vidas das mulheres, a partir de casos concretos. Antes disso, cabe destacar três conceitos importantes para o debate em questão: feminicídio, injustiça ambiental e racismo ambiental. O feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Motivado pelo ódio, desprezo ou sentimento de perda do controle e da propriedade sobre a mulher, vista como objeto, “o feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte” (BRASIL, 2013, p. 1003).

Para citar apenas alguns casos de mulheres assassinadas por lutarem contra a indústria extrativa ou pelo direito à terra: a Irmã Dorothy Stang, na luta pela reforma agrária no Pará, foi assassinada aos 73 anos de idade, em fevereiro de 2005; Nilce de Souza Magalhães, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Porto Velho (RO), lutando em defesa das populações atingidas pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pela construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Jirau, no Rio Madeira, foi assassinada em janeiro de

Sendo o ódio e desprezo motivados, acima de tudo, pela manutenção da dominação masculina e branca e, portanto, da naturalização de discriminações que autorizam e perpetuam a violência contra as mulheres, trata-se de uma problemática estrutural e não apenas individual ou patológica.

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Na maioria dos casos de conflito ambiental no Brasil - envolvendo a indústria de petróleo no Rio de Janeiro, a mineração em Minas Gerais e no Maranhão, o agronegócio no Acre, Pará, Rondônia e outros estados da Amazônia, hidrelétricas como o Complexo do Rio Madeira e Belo Monte6 , para citar alguns - existem mulheres ameaçadas de morte em decorrência de suas lutas (A PUBLICA, 2013).

2016; Maria do Espírito Santo foi assassinada em maio de 2011 por denunciar um esquema de extração ilegal de madeira na Amazônia; após seu assassinato, sua irmã, Laísa Santos Sampaio, que também luta pelo direito à terra e pela memória da irmã, começou a ser ameaçada. Esta problemática afeta mulheres de vários países na América Latina. Um dos casos mais difundidos recentemente foi o assassinato da liderança indígena e feminista Berta Cáceres, em março de 2016, no interior de Honduras. Ameaçada desde 2013, entre outras lutas, Berta liderava protestos, ocupações e mobilizações contra a instalação de uma hidrelétrica. 5

Essa violência se manifesta de diversas formas nos conflitos ambientais nas cidades, especialmente nas periferias, através, por exemplo, da militarização da cidade e das favelas e das remoções para garantir projetos de infraestrutura fundamentais para a reprodução da lógica do extrativismo.

Vale ressaltar que, com 50 casos, o Brasil foi identificado pela organização internacional Global Witness (2015) como o país com o maior número de assassinatos de lideranças em luta pela terra e por seus territórios. A indústria extrativa está relacionada com o maior número de assassinatos e as mulheres são cada vez mais o alvo das ameaças.

Também cabe destacar que as mulheres são as principais vítimas das violências praticadas contra as comunidades indígenas no mundo, sendo consideradas como uma estratégia de desmoralização da comunidade ou de “limpeza étnica”. No Brasil, esta situação não

5 • Para outros casos, ver: http://ejatlas.org/featured/mujeres 6 • Para mais informações sobre a luta de Antônia Melo, ver: BRUM, Eliane. O dia em que a casa foi expulsa de casa: a maior liderança popular do Xingu foi arrancada do seu lugar pela hidrelétrica de Belo Monte, a obra mais brutal – e ainda impune – da redemocratização do Brasil. El País. 14 de set. 2015. Disponível em: http://brasil.elpais. com/brasil/2015/09/14/opinion/1442235958_647873.html

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e o aprofundamento do conservadorismo e do fundamentalismo, em especial no Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como a influência do setor ruralista sobre a elaboração de políticas, implicam um retrocesso sem precedentes na garantia dos direitos indígenas, a intensificação da ofensiva aos direitos indígenas e o genocídio destas populações7.

é diferente. Só no Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população indígena do país, com 72 mil pessoas, entre 2010 e 2014 houve um aumento de aproximadamente 495% nos casos de violência contra a mulher indígena. A jovem Jaqueline Kaiowá, por exemplo, foi ameaçada várias vezes devido às disputas territoriais para a retomada das terras ancestrais de seu povo, no Mato Grosso do Sul. Casos ocorrem em todas as regiões. No Nordeste, em decorrência da sua luta pelos povos indígenas, em março de 2015, a indígena Ceiça Pitaguary sofreu uma tentativa de homicídio na aldeia Santo Antônio do Pitaguary, em Maracanaú, no Ceará. A situação de violência nestes casos é agravada já que as leis e práticas institucionais criadas para enfrentar a violência contra a mulher tratam-na como “universal”. Sendo assim, as indígenas não se reconhecem nessas estruturas (ROSA, 2016).

Os feminicídios, a exploração sexual, o tráfico de pessoas e as agressões de outras naturezas contra as mulheres indígenas se acentuam na medida em que elas afirmam a sua liderança em defesa dos seus povos e territórios. No entanto, para as mulheres indígenas, a luta pela terra é uma luta de enfrentamento da violência contra as mulheres, pois é na terra e nos seus territórios onde garantem a subsistência e reprodução material e cultural das comunidades indígenas.

Ao mesmo tempo, o avanço de políticas e projetos que privilegiam o setor elétrico, a mineração, o agronegócio e a construção civil

7 • Para ver os projetos em tramitação: MOLINA, Luísa. O golpe nos direitos indígenas: a conjuntura política brasileira, as terras e as vidas dos índios. Le Monde Diplomatique Brasil. 23 de mar. 2017. Disponível em: http://diplomatique.org.br/a-conjuntura- politica-brasileira- as-terras- e-as- vidas-dos-indios/

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os lixões, a falta de saneamento, da coleta de lixo e de áreas verdes. Ou seja, grande parte dos danos ambientais resultante do modelo de desenvolvimento e sistema capitalista é sentido pela população em situação de pobreza e vulnerabilidade (ACSELRAD, HERCULEANO; PÁDUA, 2004).

De acordo com Marcia Wayna Kambeba, do povo Omaguá Kambemba: A mulher indígena sofre vários tipos de violência. Primeiro, ela sofre por ver seu povo sendo afetado, marginalizado, discriminado. Depois, ela sofre como mulher, e essa violência não é só física, ela é psicológica e social também. O estupro é presente e é uma forma de desmoralizar a aldeia. Ano passado tivemos, só em uma aldeia, três casos de violência sexual (ROSA, 2016).

Da mesma forma, podemos ir além e ressaltar a injustiça ambiental no que diz respeito às mulheres em decorrência da construção social do seu lugar na sociedade. Em primeiro lugar é importante lembrar que em decorrência da divisão sexual do trabalho, as mulheres, em especial aquelas em situação de pobreza, além das cargas das atividades domésticas e do cuidado da família (e muitas vezes da comunidade), realizam outros trabalhos invisibilizados, como a coleta de lenha, água e forragem para os animais, o cuidado dos animais e da roça, dos quintais, a extração de mariscos.

O conceito de injustiça ambiental parte da comprovação de que a poluição, a degradação ambiental e as consequências dos conflitos ambientais não são democráticos; os impactos são desiguais. Os trabalhadores e as trabalhadoras das empresas que utilizam material químico são os primeiros intoxicados, enquanto as suas famílias, que vivem no entorno, sofrem mais as consequências do que os membros da gerência, que trabalham há quilômetros de distância, em seus escritórios, longe da poluição. Da mesma forma, os agricultores e as agricultoras são mais impactados pelo uso de agrotóxicos e pelas consequências do desmatamento, enquanto a população urbana em situação de pobreza convive com

Muitas vezes elas são as únicas responsáveis pelo bem-estar da família. Além disso, precisam assumir uma maior carga no que diz respeito aos cuidados quando a família é impactada pela contaminação de produtos químicos, falta de água e saneamento, poluição e disseminação de doenças. Nestas situações, as mulheres são responsabilizadas

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SELRAD; HERCULANO; PÁDUA, 2004). Pesquisas também indicam um aumento na violência contra as mulheres após desastres e crimes ambientais (PHILLIP; MORRIS, 2008).

por suprirem e/ou culpabilizadas por não suprirem as necessidades da família, especialmente de crianças, adolescentes, idosos e enfermos.

No entanto, os impactos diferenciados sobre a vida das mulheres e entre as mulheres e o papel que elas assumem no manejo dos ecossistemas, da biodiversidade, do território, sua centralidade na gestão doméstica e a importância do seu trabalho para o suprimento de alimentos, água e cuidados com a saúde e na luta são negados pelos atores dominantes. Não se aborda o sofrimento que recai sobre as mulheres quando ocorre a perda do território, nem as violências contra elas, seus companheiros e companheiras, filhos e filhas. Também é pouco considerada a ação política das mulheres na defesa do território e, por isso, as suas necessidades de proteção e segurança são negligenciadas. Isso afeta o reconhecimento das mulheres como atingidas e a sua legitimidade nos raros momentos, também para os homens, de reparação. A forma como os problemas afetam a infância, a juventude e a velhice, assim como as dimensões étnicas e raciais que permeiam os conflitos ambientais, são também negligenciados junto com a questão das mulheres (FAUSTINO; FURTADO, 2014, 2015).

Estes mesmos problemas impactam diretamente, e sobretudo, o trabalho e a vida das mulheres, historicamente responsabilizadas pela gestão do cotidiano doméstico e comunitário. Geram uma ruptura do tecido social e da atuação comunitária. Ou seja, ao atingirem as mulheres, atingem a própria organização comunitária. As companheiras de trabalhadores que manuseiam substâncias tóxicas, como chumbo, cádmio, mercúrio e zinco, dentre outras, por exemplo, são as primeiras a se contaminar, pois são elas que lavam os uniformes deles. São substâncias cancerígenas que atacam o fígado e os rins e podem afetar o bebê no caso da mulher estar grávida. Resíduos de agrotóxicos, hormônios e metais são encontrados até mesmo no leite materno. Portanto, devido à participação ativa nas atividades impactadas e na luta, as mulheres sofrem as mais variadas perdas e ameaças (AC-

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a produção local, como a pesca artesanal e a agricultura familiar, e contaminou drasticamente os rios e a biodiversidade da região, comprometendo a subsistência e qualidade de vida de 3,2 milhões de pessoas - número estimado de habitantes da bacia do Rio Doce, principal afetada por este desastre socioambiental, considerado o maior crime ambiental na história do Brasil.

Interconectado com o machismo e o patriarcado está o racismo. No que diz respeito aos conflitos ambientais, o racismo ambiental indica a existência de políticas e práticas que afetam, de forma desigual, populações ou comunidades em decorrência da raça, cor ou origem. As principais vítimas do racismo ambiental são as populações negras, indígenas e quilombolas, cujos territórios são apropriados para a implementação de grandes projetos e indústrias que geram degradação e severos impactos ambientais, como a contaminação da água, do solo e do ar, inviabilizando a existência destas populações (FAUSTINO, 2014).

Utilizando os dados do Censo de 2010, um relatório produzido pelo Grupo de Pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) indica que o rompimento da barragem, resultado da negligência e irresponsabilidade do Estado e das empresas, representa um episódio de racismo ambiental, já que 84,5% da população diretamente afetada, os moradores do distrito de Bento Rodrigues, que foi totalmente destruído, é negra (AAV, 2015; PoEMAS, 2015; RBJA, 2015).

O rompimento da barragem de rejeitos do Fundão da mineradora Samarco, composta pela anglo-americana BHP Billiton e a brasileira Vale S.A., ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, deixou 19 mortos e 637 pessoas desalojadas; destruiu

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Projetos de infraestrutura e exploração sexual:

os filhos e as filhas do petróleo, dos ventos, da mineração e das hidrelétricas. Um dos aspectos evidentes em relação às empresas extrativistas e aos projetos de infraestrutura, como mineração, petróleo, eólicas e hidrelétricas, é o fato do início das obras, em geral, suscitar processos de exploração sexual de adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade, muitas vezes incentivado pelas próprias empresas. No caso do complexo de mineração, por exemplo, no município de Bom Jesus da Selva, no Maranhão, por onde passa a Estrada de Ferro Carajás (EFC), pertencente à Vale, adolescentes de baixa renda foram sexualmente exploradas em troca de roupas e sapatos ou por R$ 30-R$ 50. Além da exploração sexual, também registra-se o aumento do uso abusivo de drogas industrializadas, de gravidezes de adolescentes sem paternidade reconhecida e de doenças sexualmente transmissíveis (DST/Aids). Em Açailândia, também no Maranhão, apenas no ano de 2012 foram feitas 47 denúncias de abuso e exploração sexual no Conselho Tutelar do município (CAROS AMIGOS, 2011; FAUSTINO; FURTADO, 2013). 36


por seus praticantes como sendo parte da própria cultura indígena, pela qual, alegam, as meninas por volta de 12 anos já seriam iniciadas sexualmente. Esta prática explorada pelos não-índios, além de configurar um crime em si, ignora as diferenças culturais e ancestrais entre os mais de trezentos povos no Brasil e vulnerabiliza as meninas indígenas e toda a comunidade (FAUSTINO; FURTADO, 2015).

No caso das usinas eólicas, considerada uma energia “limpa”, uma liderança comunitária revelou, em comunicação oral durante o Seminário Energia Eólica e Conflitos Ambientais na Zona Costeira, realizado em Fortaleza (CE), no dia 25 de outubro de 2012, que: “a eólica é a energia mais prejudicial para o meio ambiente, a comunidade e a terra. Tem até prostituição com pedreiros de construção. Prostituição infantil e gravidez na adolescência. São os filhos e as filhas do vento”8.

No caso do petróleo, a história se repete. O grande fluxo de trabalhadores terceirizados que chega para atuar nas obras de instalação e ampliação dos empreendimentos leva ao crescimento do mercado do sexo.

Projetos de manejo florestal implementados por empresas no Acre também foram denunciados por camponesas durante a Missão de Investigação e Incidência da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca “Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violações de direitos no estado do Acre”, cujo relatório foi publicado em 2015, por gerarem exploração sexual de mulheres e meninas.

A prostituição e a exploração sexual emergem e/ou se agravam como “possibilidades” subordinadas e marginalizadas de inclusão das mulheres e meninas no entorno da cadeia produtiva do petróleo. No caso da Refinaria de Duque de Caxias, da Petrobras, no Rio de Janeiro, por exemplo, esta realidade levou ao nascimento de crianças que não conhecem seus pais, chamadas de “baianinhos” (FAUSTINO; FURTADO, 2013).

O tráfico e comércio de meninas indígenas também é recorrente nas áreas dos megaprojetos. Nestes casos, o abuso e a exploração sexual são justificados no senso comum

8 • Para outros depoimentos, ver Energia Eólica - Injustiças Ambientais nos Territórios de Pesca Artesanal: https://www.youtube.com/watch?v=PRdfdTzsBFs

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física e simbólica, ocupando o trágico lugar mais “penetrado” do patriarcado racista que estrutura o capitalismo (FAUSTINO; FURTADO, 2013).

A exploração sexual é marcada pela impunidade e pelo envolvimento de políticos e empresários locais que, em muitos casos, atuam em redes de pedofilia e constroem um asqueroso submundo de violências e vulnerabilidades para privilégios dos homens e de suas necessidades sexuais misóginas.

Para concluir este capítulo, cabe ressaltar que existem conflitos em que as mulheres iniciam, lideram e organizam as resistências; em outros, elas dividem as responsabilidades com os homens; podem ainda discordar dos homens sobre como enfrentar determinado conflito; e podem estar “por trás” das lutas aparentemente lideradas por homens. A participação das mulheres nas lutas em conflitos ambientais, seja liderando, organizando ou participando das tomadas de decisão, apesar dos riscos e das ameaças, permite que elas assumam atividades de organização e questionem as relações de gênero dentro das suas próprias culturas de forma mais coletiva e pública. É uma forma de redefinir sua posição social dentro da própria comunidade, como também de desafiar as estruturas de dominação na sociedade como um todo (WRM, 2010).

A exploração sexual é negligenciada por limitações na estrutura de defesa e proteção das vítimas, pela profunda relação com a política e as forças policiais locais como também pela histórica naturalização da problemática. Apesar dos esforços existentes para entender essa dinâmica, são necessárias mais reflexões e análises sistemáticas sobre a relação entre os projetos e as atividades de desenvolvimento e a exploração sexual comercial. Quando há um “reconhecimento” da problemática, ela é considerada como um problema individual do trabalhador que, portanto, precisa de formação ou uma patologia a ser tratada, e não um problema estruturante, de responsabilidade do Estado e das corporações, decorrente da desigualdade histórica de raça e gênero e das relações de dominação. Mulheres, meninas, negras e indígenas são discriminadas, estigmatizadas, desamparadas, desumanizadas e vítimas de morte

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A luta das quebradeiras de coco pelo acesso à terra, ao território e ao trabalho Entre tantas lutas das mulheres pelo acesso à terra, ao território e ao trabalho, vale ressaltar a das quebradeiras de coco pelo que representa em relação ao fortalecimento da identidade coletiva e pelas vitórias não só cotidianas, como também relacionadas aos seus direitos. As mais de 300 mil quebradeiras de coco de babaçu têm um importante papel econômico, político, social e cultural na “região dos babaçuais”, composta pelos estados do Pará, Piauí e Tocantins. Elas lutam contra a invasão 39


Em decorrência da luta coletiva, em especial através do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), elas conseguiram a aprovação de leis que garantem o acesso livre aos babaçuais em terras públicas e privadas: as Leis do Babaçu Livre. Desse modo, os fazendeiros não podem mais proibi-las de acessarem os babaçuais localizados em “suas” terras. Além disso, é proibida a derrubada indiscriminada dos babaçuais e o uso de agrotóxicos. Através de suas lutas, as quebradeiras construíram e/ou fortaleceram sua identidade coletiva como mulheres, quilombolas, indígenas e agroextrativistas e, assim, vêm contribuindo para a luta não só das mulheres como também das populações tradicionais (ACTIONAID, 2016).

de fazendeiros e a expansão do agronegócio nas áreas dos babaçuais e, paralelamente, contra as dificuldades para comercializarem seus produtos. Também agricultoras, mas na sua maioria sem terra, estas mulheres garantem a principal parte da sua renda através do extrativismo do coco babaçu: coleta, quebra e beneficiamento. Trata-se de uma atividade passada de geração a geração e realizada predominantemente por mulheres, que conhecem profundamente os benefícios e diversos usos do babaçu: da palha e do talo da palmeira fazem os telhados e as cercas das casas, além de adubo, quando estão secos; do coco, extraem o mesocarpo; da amêndoa, produzem leite, azeite e óleo para uso na alimentação e no preparo de óleos de limpeza e cosméticos; além de utilizarem a palha também para artesanato.

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3. do rio de janeiro, minas gerais ao maranhão

impactos e resistências nos territórios

“Não é uma coisa só daqui de Santa, ou de quem está próximo, como Sepetiba. Como isso impacta na nossa vida, da gente como mulher; acaba sendo uma coisa só. É a Vila Autódromo, que luta para não sair de lá. E a gente luta lá nos Caboclos contra uma pedreira que polui o ar, e todo mundo que mora ali dentro tem problemas respiratórios. E tem uma fábrica de cimento ao lado também. Acho que estes desafios nos aproximam de uma única luta.” (Saney Souza, Rede Carioca de Agricultura Urbana, 2015)

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Geografia e Estatística (IBGE), é também uma região onde grande parte de chefes de família são mulheres, com uma população mais jovem e negra e rendimentos mais baixos em comparação com o resto da cidade. Muitos são descendentes de indígenas, quilombolas e pescadores artesanais. Grande parte da renda das famílias é proveniente de atividades tradicionais e/ou informais, como pequenos serviços ligados ao turismo, à agricultura de subsistência e à pesca. A Zona Oeste é também marcada por representações de injustiça ambiental: ausência de saneamento e de coleta de lixo, habitações precárias, problemas nos serviços de transporte, educação e saúde, insegurança territorial e falta de acesso à água, sobrecarregando as mulheres e, portanto, limitando suas possibilidades e seus espaços de resistência9.

3,1 a Zona Oeste do Rio de Janeiro: prioridade para o avanço do capital A Zona Oeste do Rio de Janeiro é a mais extensa geograficamente das quatro regiões que dividem o Rio de Janeiro (as outras são Centro, Zona Sul e Zona Norte), a segunda mais populosa (atrás somente da Zona Norte) e, atualmente, a que apresenta o maior crescimento populacional. Nela concentra-se uma grande parte da biodiversidade da cidade. Da Baía de Sepetiba à Baixada de Jacarepaguá, encontram-se os Maciços da Pedra Branca, onde estão o Quilombo Cafundá Astrogilda e o Quilombo do Camorim, os Maciços de Gericinó e Mendanha, todos constituídos por Mata Atlântica, além de diversas formas de produção e reprodução de populações tradicionais, ;caracterizadas pela economia popular, solidária e pela agroecologia. O Parque Estadual da Pedra Branca, por exemplo, é a maior Unidade de Conservação do município e uma das maiores florestas urbanas do mundo.

De acordo com uma liderança do bairro de Campo Grande, por exemplo, “o quintal é um espaço de várias resistências e reprodução, mas tivemos que abrir mão de atividades por conta de falta de água na região. A violência está presente na privatização da água na Zona Oeste. Cortar nossa raiz com a natureza tem um impacto político

De acordo com dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de

9 • Ver: http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/

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muito grande” (comunicação oral, 14 de dezembro, 2016). Ao mesmo tempo é na Zona Oeste onde ocorre uma intensa expansão industrial nos últimos anos: do Polo Industrial e Complexo Portuário na Baía de Sepetiba ao capital especulativo imobiliário por todo Campo Grande e pela Baixada de Jacarepaguá, em decorrência dos megaeventos esportivos, desde o Pan Americano de 2007 até as Olimpíadas, realizadas em 2016. Neste contexto, milhares de famílias foram removidas de suas casas, como aconteceu com moradores e moradoras da Vila Autódromo, o que evidencia a luta por moradia e terra nesta região marcada pela expropriação10. Em Santa Cruz, mais antigo bairro da Zona Oeste, é onde está instalada a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), que era uma parceria entre a alemã

ThyssenKrupp e a Vale S.A. e foi recentemente vendida para a empresa Argentina Ternium. Além de violações na lei ambiental11, das multas, dos embargos e das denúncias, a empresa está sendo pressionada para garantir reparações aos moradores e moradoras da região por diversos danos causados pelas suas atividades, como rachaduras nas casas próximas à linha do trem, interrupção da pesca artesanal, enchente no canal do São Fernando e agravamento dos problemas de saúde provocados pela “chuva de prata”12. Como em outros casos relacionados à poluição, as mulheres de Santa Cruz são as maiores responsáveis por cuidar das crianças e dos idosos que adoecem por respirar a poeira tóxica da empresa e pela sobrecarga do trabalho doméstico, igualmente resultante da poeira. Sendo historicamente encarregadas pela alimentação, enfrentam dificuldades também para garantir a

10 • Para mais informações, ver: Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro: Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: https://comitepopulario.files.wordpress. com/2014/06/dossiecomiterio2014_web.pdf . 11 • Apesar de funcionar desde 2010 com graves impactos ambientais, a empresa só conseguiu a Licença de Operação (LO) em 2016. Além disso, não cumpriu integralmente as condições do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que permitiu seu funcionamento até a emissão da LO. 12 • Para mais informações, ver: http://paretkcsa.org/.

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que a Área Integrada de Segurança Pública (AISP) composta pelos bairros Paciência, Santa Cruz, Guaratiba, Pedra de Guaratiba e Sepetiba é a 19a de 39 áreas em relação ao total de mulheres vítimas de homicídio doloso, a 12a de mulheres vítimas de tentativa de homicídio e a 10a de mulheres vítimas de lesão corporal dolosa.

segurança alimentar das suas famílias neste contexto. Após a instalação da empresa houve um aumento dos impactos e das vulnerabilidades sociais na comunidade, como o uso abusivo de drogas e a violência decorrente das políticas de repressão; da criminalização da população em situação de empobrecimento; e das redes de distribuição e consumo de drogas ilícitas e armamentos. Esta situação recai brutalmente sobre a juventude negra e gera sofrimentos familiares e tensões sociais que afetam duramente a vida e a saúde mental das mulheres.

Em relação à violência sexual no Rio de Janeiro, a cada 100 mil mulheres, 54 foram vítimas de estupro ou tentativa de estupro. Isso significa que este tipo de violência atinge quase 13 mulheres (12,8) por dia, uma a cada 2 horas. A região que abrange Paciência e Santa Cruz, Guaratiba, Pedra de Guaratiba e Sepetiba encontra-se em 4o lugar no que diz respeito à violência sexual. Mesmo com estes alarmantes dados e apesar da demanda histórica dos movimentos de mulheres do local, em Santa Cruz não há nenhuma Delegacia de Atendimento às Mulheres (Deam), apenas um Núcleo de Atendimento às Mulheres (Nuam).

É relevante, inclusive, ressaltar os altos índices de violência contra as mulheres nos bairros do entorno da TKCSA. Para tanto, é preciso novamente registrar os limites dos dados estatísticos considerando, neste caso, além de outras questões mencionadas anteriormente no que diz respeito à ciência dominante masculina e branca, a ausência de uma tipificação em torno da violência de gênero, a fragmentação das violências - violência física, sexual e psicológica - e a subnotificação destes crimes.

Apesar de haver um maior destaque para o impacto da siderúrgica sobre a vida dos pescadores da região, impedidos de trabalhar por causa da poluição do mar, da dificuldade de navegar após a instalação da empresa e da construção de uma barragem no

Dados do Instituto de Segurança Pública, da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro, no Dossiê Mulher 2016, de 2015, revelam

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canal de São Francisco, justificada pela crise hídrica no Rio de Janeiro, a perda deste modo de sustento afeta também a vida das mulheres.

Um ambiente sem gente? O conservacionismo e o racismo ambiental no Rio de Janeiro

Primeiro porque elas precisam enfrentar as dificuldades de garantir uma renda mínima para o sustento e a segurança e soberania alimentar da família. Além disso, apesar da invisibilidade do trabalho das mulheres na pesca, as pescadoras e marisqueiras sofrem danos emocionais pela perda da atividade e pela degradação do território da Baia de Sepetiba, com o qual também estabelecem laços afetivos.

Outro problema crescente na região está relacionado com a criação do Parque Estadual da Pedra Branca, em 1974, que proibiu o uso humano direto do território, revelando os conflitos entre a perspectiva da conservação e visão de natureza como algo a ser dominado ou protegido e o modo de vida das populações tradicionais. Como afirma um dos comunitários: “nós fazemos parte do ambiente. É engraçado querer ter meio ambiente sem gente” (comunicação oral, 2015).

A despeito destas questões e de outras que não temos como tratar aqui, além do complexo siderúrgico e de outros megaempreendimentos, na região do entorno da Baia de Sepetiba, alvo de interesses econômicos e geopolíticos, também avança a instalação de um complexo portuário e a indústria naval e de defesa, geradores de conflitos ambientais13.

A comunidade quilombola Cafundá Astrogilda, no bairro de Vargem Grande, vive no local há mais de 200 anos, mas vem sofrendo pressão e ameaças de expulsão, assim como os agricultores e as agricultoras que moram na região. A comunidade ocupa um local de rica biodiversidade, de

13 • Para mais informações sobre a Baia de Sepetiba, ver: PACS. Baía de Sepetiba: fronteira do desenvolvimentismo e os limites para a construção de alternativas. Rio de Janeiro, 2015.

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onde retira produtos que garantem a sua sobrevivência, além de ser um espaço importante na construção de suas identidades. O cultivo de banana, mandioca, taioba, milho, tangerina, maracujá, boldo e de outras plantas medicinais, sem o uso de agrotóxicos, garante a soberania alimentar e a reprodução da vida comunitária sem gerar altos impactos ambientais.

a vida atual. Portanto, há o desafio de garantir esta memória, inclusive considerando a mais recente face de expansão do capitalismo e a estratégia de controle territorial em nome do meio ambiente e da conservação. Vale ressaltar que, para além do espaço que o governo “escolhe” para “reconhecer” e, assim, avançar na remoção e expulsão dos/das agricultores/as e moradores/as das favelas, existe uma percepção por parte dos comunitários de que o quilombo é um território político e sociocultural amplo, que contempla, inclusive, as favelas construídas ao longo da história.

Atualmente, este território é cobiçado por seu valor financeiro e pelo interesse de mercado, como é o caso do mecanismo de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

•• •

Como muitos quilombos, o Cafundá Astrogilda é constituído por núcleos familiares que são matriarcais. Além das mulheres terem que lutar para provar, constantemente, que existem enquanto lideranças e quilombolas, a importância do seu território e de sua cultura, inclusive para o resto da sociedade, e que as suas relações com a floresta são fundamentadas na troca, elas ainda precisam garantir a permanência no território.

“Nós não invadimos o Parque. Nós estávamos aqui quando o Parque chegou. Chegaram aqui e criaram um Parque. Quem é que está invadindo? Não estamos invadindo nada de ninguém. Nós nascemos e fomos criados aqui. É a nossa raiz. Aqui está nossa gente, nossa cultura. Tudo que temos e conhecemos está aqui dentro. […] A gente se sente intimidado […]” (Quilombola de Cafundá Astrogilda, entrevista em 2015, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio)

Para agravar a situação, são poucos os registros sobre suas histórias e 47


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3,2 Rompimento da barragem da Samarco: o maior crime ambiental da história do Brasil “As mulheres trabalhavam sempre em Mariana. [...] Depois que vieram estas empreiteiras para cá, as mulheres arrumaram serviço, evitam de andar tanto. A maioria trabalhava aqui em Camargo, mas acho que acabou até o acesso deles aqui. Então, tá difícil.” (moradora de Camargo, entrevista para a Justiça Global em 2015)

“Agora eu sou ‘à toa’, né. Eu antes fazia de tudo um pouco: trabalhava no açougue meio período com meu irmão, olhava criança, fazia faxina para fora, mexia na casa, fazia crochê e bolo para vender, ajudava o Caé [apelido de seu esposo] na venda do mel, não ficava parada não, era o dia inteiro em pé.” (moradora de Bento Rodrigues, de 38 anos, entrevista para o MAB em 2015)

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“Segurei meu sobrinho pelo braço direito e meu filho no braço esquerdo. Quando afundei e voltei, a primeira coisa foi olhar para meus braços e se certificar se as crianças ainda estavam comigo, mas eu os perdi. Eu pedi a Deus que se fosse da vontade dele, deixasse meu filho sobreviver. Foi quando senti meu filho sair da minha barriga, caindo pelas minhas pernas. Pode ter sido melhor assim, pois engoli tanta lama que ele poderia nascer sem saúde. […] Vou lutar por meus direitos até o fim. Dinheiro nenhum vai trazê-los de volta. Mas não vou desistir. […] Nunca mais vou ter meu cantinho. Meu cantinho. Foi difícil construir ele. Me entregaram esta casa no dia 11 de abril do ano passado. E hoje olho para trás e vejo que nunca mais vou ter uma casinha igual. A psicóloga perguntou se quero fazer tratamento. Quero não. Quem bate, esquece; quem apanha, não. Depois que tudo isto regularizar, eles voltarão a ganhar o dinheiro deles. Milhões às nossas custas. Nunca vamos esquecer.” (moradora de Bento Rodrigues, de 30 anos, entrevista para a organização Justiça Global em 2015)14

14 • Depoimentos concedidos à organização Justiça Global em novembro de 2015. Para mais informações, ver: JUSTIÇA GLOBAL. Vale de Lama: relatório de inspeção em Mariana após o rompimento da barragem de rejeito do Fundão. Disponível em: http:// www.global.org.br/wp-content/uploads/2016/03/Vale-de-Lama-Justi--a-Global.pdf .

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Este não foi um desastre ambiental natural, um acidente que não poderia ter sido evitado. Além das diversas denúncias de crimes ambientais relacionados à indústria de mineração em outros estados e países e problemas com barragens de mineração no Brasil e em Minas Gerais , estudos também revelaram que havia o risco de rompimento da barragem de Fundão16.

Estes trechos dos depoimentos concedidos por moradoras dos distritos de Bento Rodrigues e Camargos, do município de Mariana, em Minas Gerais15, descrevem brevemente alguns dos drásticos impactos do rompimento da Barragem de Rejeitos do Fundão, ocorrida no dia 5 de novembro de 2015. Considerado o maior crime ambiental ocorrido no Brasil, ele afetou e continua afetando o direito à vida, à água, à alimentação, à segurança e soberania alimentar, à moradia, ao trabalho, à saúde e ao direito a viver em um meio ambiente saudável de mais de 3,2 milhões de pessoas, que habitam a bacia do Rio Doce, principal área afetada. Mesmo assim, é a luta por reparação e justiça que tem sido criminalizada.

Apesar disso, não havia um plano de prevenção ou qualquer sistema de alerta ou evacuação instalado. Mesmo quando a lama atingiu as localidades, horas depois do rompimento, ou no outro dia, a população afetada não foi comunicada em tempo hábil. As toneladas de lama tóxica que atingiram o Rio Doce

15 • Dados da Agência Nacional de Água (ANA), de 2015, revelaram que o Brasil tem 663 barragens de contenção de rejeitos de mineração e 295 barragens de resíduos industriais. Só em 2008, houve 77 rompimentos de barragens no país, embora a maioria dos casos tenha ganhado pouca repercussão. Para saber mais, ver: http://agenciabrasil.ebc. com.br/geral/noticia/2015-11/brasil-tem-663-barragens-de-rejeitos-de-mineracao-diz-especialista e Minas Gerais é campeã em rompimentos: http://www.em.com.br/app/ noticia/gerais/2015/11/05/interna_gerais,705019/barragens-de-rejeito-ja-causaram-diversas-tragedias-em-minas-gerais-r.shtml . 16 • Estudo encomendado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG), realizado pelo Instituto Prístino, afirma que havia um risco de rompimento da barragem do Fundão em virtude da sinergia de impactos causada pela sobreposição de áreas diretamente afetadas da barragem do Fundão e da Pilha de Estéril União da Mina de uma nova fábrica da mineradora Vale. Disponível em: <http://www.meioambiente. mg.gov.br/images/stories/URCS_SupramCentral/RioVelhas/69/9.1-laudo-tecnico. pdf>. Acesso em: 7 dez. 2015.

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e todos os municípios cortados por ele entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, destruíram casas, escolas, igrejas, pontes, currais, plantações e criações. O distrito de Bento Rodrigues foi severamente destruído. A região é formada por diversas pequenas comunidades rurais, estruturadas, em sua maioria, em reduzidas unidades familiares de produção. Desse modo, a perda de currais, plantações e criações significa a perda do principal modo de sobrevivência e reprodução daquelas comunidades. Apesar deste crime afetar homens e mulheres que habitavam e trabalhavam nos locais atingidos, os trechos dos depoimentos apresentados revelam a desigualdade no que diz respeito aos impactos e ao tratamento dado às mulheres. Além de enfrentarem o sofrimento relacionado à perda de familiares e entes queridos, das suas casas, do trabalho, da fonte de alimentação plural e saudável, da renda, da desagregação da comunidade, do aumento da prostituição e da violência e de diversos outros impactos particularmente graves, as mulheres ainda enfrentaram violações no modo em que foram tratadas após o desastre. Cerca de 300 famílias foram

Além dos impactos e do tratamento diferenciados, as mulheres enfrentam mais obstáculos na reconstrução dos seus modos de vida abrigadas em hotéis da cidade, algumas por mais de cinquenta dias; o Ministério Público definiu que até o dia 24 de dezembro a mineradora teria que realocar as famílias para casas alugadas, mas até aquela data 6% ainda permaneciam nos hotéis. Superexpostas, as mulheres reclamaram da separação das famílias e da falta de privacidade; alguns quartos tinham 12 camas de solteiros. A qualidade da comida fornecida pela empresa também foi uma das

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Não que o homem não sofra, mas a mulher sofre mais”.

queixas das mulheres, algumas das quais passaram mal após ingeri-la. Apesar da empresa ter afirmado que grávidas, idosos e crianças teriam prioridade na transferência para as casas provisórias, isso não ocorreu (MAB, 2016). Além disso, após muita luta, enquanto não reconstrói os distritos devastados pela lama (se é que isso é possível), a Samarco começou a pagar uma verba mensal para cada família sobreviver. A empresa forneceu ao “chefe de família” um cartão com o valor de R$ 1.500, mais 30% por dependente. Como os ganhos das mulheres eram considerados, na maioria dos casos, como complementares à renda das famílias, a autonomia financeira conquistada pelas mulheres foi brutalmente afetada.

Além dos impactos e do tratamento diferenciados, as mulheres enfrentam mais obstáculos na reconstrução dos seus modos de vida. Durante a caravana de protesto que ocorreu um ano após o rompimento da barragem da Samarco, em novembro de 2016, da qual o Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) participou, muitas mulheres ressaltaram o fato de não terem sido reconhecidas como atingidas em decorrência da falta de título da terra e das ações de grileiros ao longo do Rio Doce, como também da informalidade de seus trabalhos, o que dificulta o recebimento de qualquer tipo de indenização e/ou reparação.

Quando entrevistada pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), em 2016, e questionada se o impacto era maior para os homens ou para as mulheres, uma ex-moradora de Bento Rodrigues afirmou:

Vale ressaltar que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (atual Conselho Nacional de Direitos Humanos) reconheceu em um relatório produzido em 2010, após quatro anos de análise, a necessidade de políticas de reparação que considerem as especificidades de grupos, famílias e indivíduos, como mulheres, idosos, crianças e adolescentes. Além disso, é comprovado que, dentre as comunidades afetadas, a desigualdade de gênero aumenta,

“As mulheres, claro. Ah, porque os homens convivem mais fora de casa e as mulheres que estão ali todo dia. Cada cantinho da casa, a mulher conhece mais que o homem, dá mais amor até mesmo às criações, às plantas. Se mudar alguma coisa de lugar, a mulher vai saber, o homem não sabe disso.

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3,3 Piquiá de Baixo: complexo siderúrgico, crimes ambientais e resistências

“com as mulheres sofrendo uma parcela desproporcional dos custos sociais e, via de regra, sendo discriminadas na partilha dos benefícios” (CMB, 2000, p.20). Um ano após o desastre, as vítimas e os promotores brasileiros – que interpuseram acusações contra 21 executivos por homicídio qualificado, assim como demandas no valor de bilhões de dólares – afirmam que os novos povoados prometidos para os habitantes de Bento Rodrigues e Paracatu não foram construídos e que a empresa só cumpre com alguma indenização quando acionada pela Justiça. Enquanto isso, a empresa “corre” para reconstruir uma barragem, afetada pelo desastre, que vai reter um reservatório de rejeitos ainda maior do que a barragem que rompeu. Cerca de mil pessoas das três mil que a empresa empregava estão sem trabalho.

“Antes das siderúrgicas, aqui era um lugar maravilhoso de se morar. Ninguém adoecia aqui. É normal a gente ficar doente em qualquer lugar, mas não como ficamos aqui. Fui para o médico e ele disse: “a senhora fuma desde cedo, não é?”. Aí, minha filha respondeu: “não, doutor, ela mora no Piquiá de Baixo”. Hoje mesmo me levantei 3 horas da manhã, abri a janela e observei. A gente não reconhece o lugar da gente, não. É tudo coberto de pó […]. Acordamos sem ar, com cheiro de ferrugem, de enxofre queimado, uma coisa horrível mesmo.” (moradora de Piquiá de Baixo, 2013)

Muitos dos três mil trabalhadores terceirizados também foram demitidos. Além disso, o pó do minério de ferro ainda encobre áreas devastadas e a população continua enfrentando problemas de saúde. Muitos e muitas idosas também ficaram doentes, inclusive pela perda da atividade na roça ou no quintal (O GLOBO, 2016).

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impedem o exercício da pesca e da agricultura camponesa e geram problemas graves de saúde, como doenças respiratórias (pneumonia, tosse, falta de ar e chiado no peito), de pele, dores de garganta, dores de cabeça constantes, infecções de ouvido e alergias. As empresas também são responsáveis por depositar dejetos industriais a céu aberto, causando a intoxicação de plantas e animais (FAUSTINO; FURTADO, 2013).

Piquiá de Baixo é um dos primeiros bairros do município de Açailândia, no Maranhão, onde vivem cerca de 350 famílias. Uma comunidade que hoje enfrenta um complexo siderúrgico, envolvendo cinco usinas - Gusa Nordeste S/A, Viena Siderúrgica S/A, Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, Fergumar Ferro Gusa do Maranhão Ltda e Siderúrgica do Maranhão S/A (Simasa) -, instaladas nas proximidades das casas de seus moradores e moradoras17. A siderurgia é uma atividade estritamente vinculada à cadeia de mineração da Vale S.A.. Além da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que corta o município, Piquiá de Baixo sofre os impactos de um entreposto de minério, uma fábrica de cimento, uma aciaria18 e de uma termelétrica.

Além dos problemas já citados, acidentes com resíduos sólidos foram, durante anos, frequentes, envolvendo principalmente as crianças. Em 1999, por exemplo, uma criança de 7 anos teve contato com a munha, resíduo sólido do processo de produção de ferro-gusa, quando procurava carvão para esquentar a comida de casa. O resíduo queimou a perna da criança até a bacia e, depois de vinte dias, ela não resistiu e morreu. Uma agente de saúde da comunidade entrevistada afirmou o seguinte:

Em decorrência das atividades deste complexo siderúrgico, a comunidade convive com violações do direito a um meio ambiente equilibrado, à segurança e soberania alimentar, à saúde e à moradia, decorrentes da poluição sonora, do ar, do rio e do solo, que

“Tem crianças falecendo com problemas de saúde, respiratórios. As

17 • Atualmente somente as siderúrgicas Viena e Gusa Nordeste estão em operação. 18 • Para abastecer a produção da aciaria, caminhões que transportam ferro líquido a 1.700 graus Celsius transitam por dentro do bairro.

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Neste caso também é evidente que as mulheres são sobrecarregadas física e emocionalmente.

crianças aqui, de 0 a 7 anos, têm gripe constante, além de casos de pneumonia. Teve um caso há mais ou menos um mês atrás de uma criança que faleceu. Ela nasceu prematura, teve pneumonia e morreu com sete meses. Tem outra comunitária que vai se mudar porque teve gêmeos e uma das crianças, que está com cinco meses, teve gripe constante e depois pneumonia. Só quem mora realmente, para ter uma noção…” (2013)

As mulheres assumem cuidados extras com a limpeza da casa, com os problemas de saúde da família, além dos seus próprios, como o aumento dos riscos e casos de diversos tipos de câncer, e enfrentam o impacto psicológico deste processo. Como afirmou uma moradora de Piquiá de Baixo em entrevista em 2013, “normalmente é a mulher que é responsável por carregar o fardo de cuidar dos doentes nas costas”. Outra moradora ressaltou o seguinte:

Além das siderúrgicas, as moradoras também denunciam o aumento da concentração fundiária na região e os impactos das monoculturas de eucalipto sobre a soberania alimentar e a saúde da população. Plantadas para fornecer matéria-prima para as siderúrgicas, além da larga utilização de agrotóxicos, estas monoculturas causam alterações no solo e escassez de água.

“O dia a dia da mulher é uma luta árdua com os filhos, com o marido, com a casa. A gente estende roupa, e se tiver embaixo da árvore tem que lavar tudo de novo. Tem que lavar todos os varais porque estão sempre cheios de pó. Os alimentos, quando plantamos alguma coisa para comer, têm que ser minuciosamente bem lavados. Toda a comida tem que ser bem lavada e toda coberta” (moradora de Piquiá de Baixo, 2013).

Em decorrência destes e de outros problemas, há dez anos a comunidade de Piquiá de Baixo luta por reparações, mitigação da poluição e reassentamento coletivo em uma área com boas condições de saúde, posto que os riscos à saúde são muito graves para a comunidade continuar no mesmo local.

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Fortalecendo o debate e as Lutas “ Eu acredito que a partir do momento que a gente se junta e mostra e divulga todos estes problemas ambientais, a gente se fortalece e também se ajuda”. ( Maria Bonfim, Comitê Popular de Mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro )

V

ivemos em uma sociedade dominada por ações, relações e mentalidades machistas, sexistas e racistas. No contexto do desenvolvimento capitalista, as históricas condições de injustiças, permeadas pelo racismo, sexismo e pelas desigualdades geracionais, embora não sejam desconhecidas da sociedade brasileira, nem tampouco das autoridades públicas e empresas privadas, são ocultadas, negadas e/ou apropriadas para manutenção destas estruturas assimétricas. Este processo ocorre tanto em relação ao conhecimento dominante branco e masculino quanto aos impactos diferenciados enfrentados pelas mulheres. 58


Por outro lado, os programas de responsabilidade social e ambiental e a própria lógica da conservação estão baseados na ideia patriarcal de que o ambiente é instrumental e deve ser controlado e administrado, pois é preciso continuar fazendo uso dele, continuar sua exploração e dominação. O mesmo é feito com as mulheres, que devem ser excluídas e dominadas, ao mesmo tempo em que a questão de gênero é apropriada, tornando-se instrumental para a lógica da conservação do ambiente ou do “uso eficiente” dos “recursos naturais”.

O modo de vida urbano-industrial racialmente segregado é representado como superior, e tudo que é diferente dele é considerado atrasado ou deve ser conquistado, dominado, oprimido, manipulado ou apropriado e transformado. Desse modo, a violência simbólica, a negação política, a exploração de vulnerabilidades e a negligência social são bases, efeitos e reprodução de desigualdades. Por um lado, a existência de conflitos ambientais, ou seja, conflitos relacionados ao acesso, ao uso e à apropriação material e simbólica do ambiente, gera um processo de expropriação de territórios rurais e urbanos e de alteração negativa de modos de vida liderados por mulheres e populações negras, tradicionais e indígenas, estruturados em uma lógica masculinista e racista de ver e viver o mundo.

Considerando esta realidade, não só precisamos articular e enraizar a luta contra o machismo e o racismo, como precisamos perceber a existência de conflitos ambientais e a exploração e degradação do meio ambiente a partir da lógica da dominação, opressão e separação – entre homens e mulheres, negros e brancos, ambiente e seres humanos.

A sobrecarga de trabalhos domésticos e com os cuidados das famílias, de vizinhos e da comunidade em decorrência do agravamento da saúde por causa dos projetos de desenvolvimento, a falta de autonomia financeira, a violação e a exploração dos corpos de mulheres e meninas e a negação das mulheres como sujeitos políticos e de direitos demonstram como as desigualdades de gênero alimentam e são alimentadas pelo desenvolvimento capitalista.

Portanto, visibilizar as relações de gênero e raça (como também de classe e geração) nas reflexões sobre o contexto e as estruturas de poder não é um “à parte do debate”, algo a mais a ser pensado ou apenas dados estatísticos, mas sim a própria estrutura e as experiências cotidianas em que as violências, violações, perdas e os danos são sentidos.

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Assim, tratar destas questões quando discutimos o ambiente e os conflitos ambientais, utilizando uma metodologia que incorpore estas questões como estruturantes19 , é reconhecer e enfrentar as desigualdades que marcam a sociedade brasileira. Afinal, quando as mulheres atuam na mobilização política, lideram, organizam ou participam das tomadas de decisão relacionadas aos conflitos ambientais, elas estão redefinindo sua posição social e desafiando as estruturas de dominação. Por fim, a partir das reflexões aqui colocadas e das experiências, vivências e estratégias de resistência das mulheres ressaltadas neste material e considerando a ausência de registros sobre os saberes, as histórias e as violências contra as mulheres relacionadas aos conflitos ambientais, apresentamos a seguir algumas questões que podem subsidiar o aprofundamento da reflexão, a investigação e a disseminação do tema aqui tratado.

19 • Ou seja, é recomendável que qualquer pesquisa sobre conflitos ambientais considere uma metodologia através da qual as mulheres serão escutadas e a problemática de gênero estará, desde o início da pesquisa, na reflexão e na prática de quem a realiza. Trata-se de ir para as cozinhas, os quintais, realizar reuniões só com mulheres, provocar os homens sobre a questão, fazer perguntas aos envolvidos sobre o tema, escolher mulheres para acompanhar, entrevistar, elaborar.

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E agora? Como ler nossos territórios? • Como você caracteriza o seu território? • Qual o papel das mulheres (e de que mulheres?) na produção e reprodução deste território? • O que fazem as mulheres, como vivem, trabalham, se relacionam com o território, produzem e reproduzem?

� • Quais os conflitos ambientais que vocês vivenciam e por que são conflitos ambientais?

� • Quem são os principais atores envolvidos e qual o papel de cada um deles no conflito? A ideia é caracterizar cada um deles e as suas ações. Por exemplo: EMPRESAS [nome, origem, acionistas, objetivos, outras localidades onde atua] FINANCIADOR [nome, valor financiado, condicionantes] *o financiamento está condicionado a alguma ação? ORGANIZAÇÃO (ONG) [nome, objetivos, ações, parceiros, financiadores] GOVERNO [ações no local, relação com a empresa, relação com a comunidade, ações jurídicas] 61


� • O projeto teve licenciamento ambiental? Como foi o processo? A comunidade participou? A comunidade foi consultada?

� • Quem são as populações mais atingidas e por quê? Os impactos são diferenciados?

� • Como os atores dos conflitos se relacionam com a população atingida? Existe um tratamento diferenciado para as mulheres? Como se dá esta relação?

� • Existem projetos de responsabilidade ambiental e social? Quais e como são ou foram implementados? Existe alguma ação voltada para as mulheres? Quais e como vocês as avaliam?

� • Existem processos de resistência em andamento? Quais e como?

� • Quais são as dificuldades encontradas nesta resistência?

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� • Qual o papel das mulheres na resistência?

� • As empresas que causam os conflitos estão envolvidas em conflitos em outras localidades? Existe resistência nessas localidades? A ideia é construir estratégias de solidariedade, compartilhamento e fortalecimento das lutas20?

� • Existem casos de exploração sexual?

� • Existem órgãos de defesa dos direitos das mulheres nos seus territórios? Como funcionam?

20 • O Pacs e a organização Justiça nos Trilhos, por exemplo, assessoram ações de intercâmbio entre as comunidades e os/as jovens de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e de Piquiá de Baixo, no Maranhão

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